A preocupação com a alimentação infantil tem ganhado contornos diferentes dos tradicionais. Se, há algumas décadas, um grande desafio era “fazer a criança comer”, hoje, há dilemas mais complexos, sobretudo por conta das alergias aos alimentos. Estima-se que aproximadamente 6% das crianças podem ter algum tipo de alergia alimentar. A boa notícia é que, em muitos casos, a melhora vem com o crescimento e as alergias desaparecem.
Na infância, as alergias alimentares são, geralmente, causadas pelas proteínas. Os sintomas mais comuns são erupções na pele ou urticária, espirros, tosse, corrimento nasal e até dor de estômago. Como todos esses sintomas podem indicar também diversos outros problemas de saúde, o diagnóstico da alergia requer exames específicos, avaliação e acompanhamento de um especialista.
Para falar sobre o tema, o médico gastropediatra Renato Guilherme Silveira Corrêa Silva é o convidado da entrevista. Mestre em Patologia, ele atua como docente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e como chefe da Unidade de Gerenciamento de Atividades de Pós-graduação do Hospital Universitário da UFGD.
O profissional alerta para a importância do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade como forma de prevenir o surgimento de alergias alimentares em crianças e explica que o aumento da incidência de casos pode estar associado ao uso de antibióticos e à baixa exposição a sujidades na primeira infância, o que impede o fortalecimento do sistema imunológico.
Confira a entrevista completa, realizada pela Unidade de Comunicação Social do HU-UFGD:
Como se pode definir a alergia alimentar e quais são os tipos mais incidentes atualmente?
Dr. Renato – A alergia alimentar é definida como uma resposta inadequada do sistema imunológico a uma ou mais proteínas da dieta, seja através do contato, da inalação ou da ingestão. Os alimentos que mais comumente ocasionam alergia alimentar em nosso meio são o leite de vaca, a soja, o ovo, o trigo, os peixes e os frutos do mar.
Você acredita que a ocorrência de alergias alimentares na infância vem aumentando nas últimas décadas ou, com a maior propagação de informações pelos meios de comunicação como a internet, a população está mais consciente e se fala em maior grau sobre o assunto?
Dr. Renato – Acredito que ambas as situações são verdadeiras. O aumento da prevalência de alergia alimentar tem sido descrito no mundo todo, sendo a prevalência estimada de cerca de 6% em crianças e de 3,5 % em adultos. Uma das teorias que explicam essa mudança de padrão afirma que a evolução das condições sanitárias, o uso de antibióticos e a baixa exposição a sujidades na primeira infância poderiam favorecer o surgimento de alergia alimentar em crianças geneticamente predispostas. A melhoria dos métodos diagnósticos, do entendimento da alergia alimentar e da divulgação do tema também contribuíram para este aumento percebido nos últimos tempos.
Qual a diferença entre alergia alimentar e intolerância alimentar?
Dr. Renato – Esta pergunta é importante, pois é motivo de muita confusão. Nos últimos tempos preferimos chamar de intolerância quando um componente da dieta não pode ser bem digerido e dessa forma causa algum tipo de sintoma. Um bom exemplo é a intolerância à lactose, que é um açúcar presente no leite e quando mal digerido pode causar dor abdominal, gases e diarreia. Já a alergia alimentar envolve algum tipo de resposta imunológica a uma proteína da dieta, causando inflamação. Os sintomas da alergia alimentar são muito variados e dependem do local onde predomina a inflamação (pele, sistema respiratório, sistema digestório). Assim, é importante destacar que o termo “alergia à lactose” não é correto pois envolve duas condições distintas: a intolerância à lactose e a alergia ao leite.
Existem maneiras de se prevenir as alergias alimentares, sobretudo na infância?
Dr. Renato – Sim, o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade é um importante fator protetor ao desenvolvimento de alergia alimentar. Porém, exceções existem e mesmo bebês em aleitamento materno exclusivo podem desenvolver alergia alimentar. Após os seis meses de idade o bebê iniciará a dieta de transição com a introdução de frutas e papas na rotina alimentar. Nessa fase, é importante oferecer a dieta com todos os grupos alimentares e, inclusive, com proteínas alergênicas, pois a introdução precoce (acima dos seis meses) pode ter efeito protetor contra a alergia. É importante frisar que não existem evidências confiáveis de que fórmulas especiais, vacinas ou medicamentos possam atuar na prevenção da alergia alimentar.
Como é feito o tratamento dos pacientes com alergia e/ou intolerância alimentar?
Dr. Renato – Quando estabelecido o diagnóstico de alergia alimentar, o tratamento se faz através da suspensão completa da proteína envolvida e por uma dieta substitutiva a fim de garantir boa nutrição à criança. Importante dizer que pequenas quantidades e até mesmo traços da proteína alergênica podem ocasionar sintomas. Assim, os cuidadores do paciente são orientados a checar rótulos de alimentos industrializados, a evitar contaminação cruzada com utensílios domésticos e a prevenir exposições inadvertidas. A dieta de substituição pode ser feita através de fórmulas especiais, principalmente no primeiro ano de vida, em que a proteína alergênica é quebrada (hidrolisada) em pequenos pedaços, “enganando” o sistema imune, nutrindo sem causar reação.
A alergia alimentar tem cura?
Dr. Renato – Até o momento não há um tratamento que cure a alergia alimentar, mas, sim, que controle os sintomas. A maioria das formas de alergia alimentar que acomete crianças é transitória, sendo que o mecanismo de tolerância à proteína alergênica se estabelece ainda nos primeiros anos de vida. Exceção feita às alergias à proteína do amendoim, das castanhas e dos frutos do mar, que geralmente são persistentes. Dessa forma, é importante estabelecer o diagnóstico correto da alergia alimentar e a dieta adequada, permitindo que a criança cresça e se desenvolva até que apresente tolerância e deixe de ser portadora de alergia alimentar.
Fonte: Dourados agora