Como a APLV me ensinou a ser uma mãe melhor
Desde os primeiros dias de vida da Alice, achei que havia algo diferente. Mas, mãe de primeira viagem, tudo o que a gente ouve é que “soltar pum demais é normal”, “vomitar em jato depois de mamar é normal”, “fazer aquele cocô horrível e fedido demais é normal”. Não era. Aos quatro meses, depois de muitos puns, vômitos e cocôs horrendos, pequenos raias de sangue nas fezes comprovaram a minha desconfiança: Alice era alérgica à proteína do leite de vaca. Hoje, após 28 meses de exclusão total de leite e seus derivados de sua dieta, a pediatra cravou: o leite de vaca deixou de ser vilão, está liberado, a alergia acabou. Poderia dizer que é um presente de dia das mães. Mas esse tempo todo convivendo com a alergia me mostrou que, na verdade, foi ela, a restrição alimentar, que no fim das contas funcionou como um grande presente. Com ela aprendi muito, tanto como mãe quanto, vejam vocês o destino, como hoje uma intolerante severa à lactose que foi obrigada a excluir o leite da própria dieta. Veja dez coisas incríveis que ganhei com a APLV:
- NÃO ESPERAR A CURA: Algo que eu sabia desde o diagnóstico era que a alergia, um dia, passaria. Segundo a gastropediatra da Alice, com 1 ano de idade cerca de 80% das crianças passam a tolerar a proteína do leite. No início, confesso, eu esperava por isso e fazia a contagem regressiva para os 12 meses. Aí eles chegaram, e com eles uma nova e mais forte crise alérgica. Naquele momento percebi que esperar a cura era o pior dos caminhos a seguir. Porque ela deve ser sempre consequência, e não o objetivo principal nas nossas vidas. E aí tudo ficou mais leve.
- NUNCA OLHAR MINHA FILHA COMO COITADA: Perdi a conta de quantas vezes, ao dizer para alguém numa festinha que Alice era alérgica, ouvi um “ah, coitadinha, não pode comer nada?”. Nunca, nem um diazinho sequer nesses 28 meses, tive pena da minha filha por ela não poder comer alimentos com leite. Até porque, com o tempo, percebi que ela, ao excluir o leite, só se privava de coisas que nem saudáveis eram. Coisas que um bebê antes dos 2 anos não deveria mesmo comer. E passei a dizer “não” ao brigadeiro, quando ofereciam um para ela, sem um pingo de dor no coração, como dizia “não” ao refrigerante. Alice sempre foi saudável, ativa, cheia de energia, amada. Pena de quê?
- MINHA FILHA TEVE UMA ALIMENTAÇÃO MUITO MAIS SAUDÁVEL: A consequência de excluir algumas coisas da dieta da Alice foi a necessidade de incluir outras. Juntas descobrimos uma infinidade de alimentos e lanchinhos saudáveis que substituíram as bolachas de maizena. Também por conta do refluxo causado pela alergia, a pediatra recomendou que Alice não tomasse sucos de frutas antes de 1 ano (sim, suco de frutas aumenta o refluxo). Depois de ler muitos textos sobre alimentação infantil, hoje sei que muitos nutricionistas infantis e pediatras atualmente defendem a exclusão do suco para prevenção de diabetes e obesidade no futuro. Mais um ponto para a Alice.
- APRENDI A LER RÓTULOS: Excluir um ingrediente da dieta significa procurá-lo em tudo o que entra em casa. Comecei a ler rótulos de todos os alimentos, com direito a carregar uma lupa na bolsa para entender as letrinhas minúsculas. Além dos muitos sinônimos do leite, aprendi que os ingredientes vêm listados na ordem de maior para menor quantidade – o que até então não sabia. Então vetamos também tudo o que tinha açúcar logo de cara, ou corantes, ou estabilizantes demais. De quebra, tive a oportunidade de conhecer de perto a campanha Põe no Rótulo, criada por um grupo de mães batalhadoras que conseguiram mudar a regulamentação da rotulagem de alergênicos. Uma lindeza!
- PERCEBI QUE UMA LINHA MUITO TÊNUE SEPARA A NEUROSE DO CUIDADO DE MÃE: Levei um bom tempo para aprender a dosar as duas coisas, mas acho que consegui. Mãe de alérgico sabe quantas vezes na vida é chamada e vista como neurótica pelos outros. E muitas vezes somos, mesmo. Quem não quer o melhor para seu filho? No início da alergia, eu analisava todos os cocôs da Alice – seus sintomas sempre foram apenas gástricos – para ver se tudo estava bem. Um muco, uma assadura, algo mais pastoso e, pronto, meu mundo caía. Eu não dormia até descobrir o que podia estar errado – e nem sempre havia algo errado. O tempo me trouxe tranquilidade. Eu nunca deixei de analisar os cocôs – porque isso, para mim, significava cuidado -, mas aprendi a relevar coisas estranhas aqui e ali.
- APRENDI A CONFIAR NOS MEUS INSTINTOS E, PRINCIPALMENTE, NA MINHA PEDIATRA: O começo da nossa história foi difícil, porque eu achava que tinha algo estranho nos cocôs da Alice e o então pediatra dela jurava que tudo era normal. E assim fomos levando, por quatro meses, até o intestino da pequena sangrar. Ali eu jurei para mim mesma que, estando eu certa ou não, nas próximas eu ouviria minha intuição. De mãe de primeira viagem, mas de mãe. Fui então buscar ajuda de uma profissional especializada em alergia alimentar. Porque confiar em intuição é bacana, mas confiar em ciência e conhecimento é necessário. Sempre segui o que ela recomendou sem medo. Essa tranquilidade de ter a certeza de estar entregando seu filho nas mãos certas vale ouro para qualquer mãe, mas ainda mais para uma mãe de alérgico, que vive “pisando em ovos”, lidando o tempo todo com possíveis reações ao desconhecido.
- CONHECER O VILÃO É QUASE COMO TRANSFORMÁ-LO EM MELHOR AMIGO: Nos 28 meses de exclusão do leite, fizemos dois testes de reintrodução lenta, para vermos se a alergia estava curada. O segundo foi agora, o que deu certo. O primeiro deu errado. No quinto dia tomando leite, o cocô ficou ruim. Mandei mensagem para a médica e ela foi categórica: “Continue o teste”. Aí entra a tal confiança na pediatra. Continuei, mas já esperando que a coisa não daria certo. O cocô foi piorando, o que podia ser uma adaptação do organismo da Alice, após tanto tempo de exclusão do leite. “Continue”, seguia orientando a pediatra. Aí confesso que pensei: “Poxa, mas vai esperar sangrar de novo? Para quê?”. E foi o que aconteceu. No 14o dia de leite, raias de sangue vieram nas fezes. E então eu entendi o porquê de esperar sangrar. A certeza, no mundo da alergia alimentar, é sinônimo de tranquilidade para a mãe e para o alérgico. Precisamos saber quem são os inimigos para excluí-los, para lidar com eles. “Saber” é sempre melhor que “achar”.
- MEU CORAÇÃO SE ENCHEU DE (MAIS) AMOR AO VER ALICE INCLUÍDA: Foram muitas as provas de amor e carinho vindas de amigos e familiares neste tempo de alergia. Uma amiga pedindo o contato da “moça que faz bolo sem leite”, para encomendar para a festa da filha dela, a escola solicitando uma receita sem leite para as crianças fazerem, primas queridas girando São Paulo em busca de queijo vegano para Alice comer pizza no aniversário da tia… O melhor remédio para a exclusão de um alimento é, sem dúvida, a inclusão.
- A ALERGIA É MUITO MAIS CHATA PARA A MÃE DO QUE PARA A CRIANÇA: Nunca senti pena da Alice por conta da alergia, como disse. Principalmente porque poucas vezes ela se privou de algo. Quando ela não podia comer num restaurante, eu levava a marmita de casa – e com comida de verdade, porque nunca senti necessidade de dar papinhas prontas. Em festas, sempre carreguei o bolo e os brigadeiros dela. O biscoito de polvilho sem leite, o biscoito de arroz, a pipoca sem manteiga. Saber que ela está curada é um alívio muito maior para mim, que não vou ter mais de pensar nessas coisas, do que para ela. Tenho certeza disso.
- COZINHAR COM PRAZER: Nunca fui de cozinhar, mal sabia fritar um ovo. Mas a alergia me empurrou para o fogão. E por conta dela aprendi a fazer desde coisas básicas, como leites vegetais (de coco, de inhame, de aveia, de amêndoa…), até bolos recheados de aniversário. E a usar ingredientes mais inusitados, mas mais saudáveis. A troca de receitas (e de tudo o que é informação) entre mães de alérgicos na internet é sensacional. Aprendi demais com elas (sou eternamente grata, viu, Mariana?). Não pode usar ovo? Alguém tem a solução. Pão de queijo sem queijo? Tem. Não pode corante? Dá para fazer também.
Fonte: site http://www.averdadeeque.com.br – Por Ana Paula Alfano, mãe de Alice