Alergia alimentar pode levar à morte, mas é menos comum que se pensa

Alergia alimentar pode levar à morte, mas é menos comum que se pensa

Um estudo publicado recentemente no Journal of Allergy and Clinical Immunolog y mostrou que 3,6% dos americanos apresenta alergias alimentares – número inferior ao de pesquisas anteriores. No Brasil, a estimativa é que 7% da população tenha alguma alergia alimentar, segundo Ana Paula Castro, membro do departamento científico de alergia alimentar da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).

O principal causador de alergia em adultos é o camarão , seguido pelo amendoim, algumas frutas, gergelim e trigo .

A alergologista Ariana Yang, coordenadora de alergia alimentar do Hospital das Clínicas e responsável pela implementação do programa de dessensibilização alimentar, projeto pioneiro na área no Brasil, afirma que há aumento mundial das alergias alimentares, embora não na proporção percebida pela população.

“Muitas pessoas acreditam que têm alergia, mas não têm. [As pessoas] fazem falsas associações e excluem alimentos sem fazer o diagnóstico correto”, diz.

Um exemplo é o glúten. Segundo a médica, a evolução da alimentação humana, hoje baseada em refeições rápidas e alimentos processados, levou a uma maior exposição a grandes quantidades de glúten. “O problema não é o glúten, mas sim os erros alimentares”, explica.

Se você começa a dar excesso de glúten ao organismo, ou seja, muito carboidrato e pouca fibra, passa a alimentar bactérias que podem fermentar mais e produzir gases, cólicas, sintomas de intolerância. Então a pessoa começa a fazer dieta e melhora, passando a incriminar o glúten. Mas ele não é o problema.”

Ariana Yang, alergologista

Entre as crianças, apenas um pequeno grupo de alimentos é responsável por 90% das alergias: leite, ovo, trigo, soja, amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar .

Para quem realmente é alérgico, com diagnóstico comprovado em testes, os sintomas podem incluir de problemas digestivos e urticária ao bloqueio das vias respiratórias, que pode levar à morte.

Tolerância com o tempo

Adultos tendem a não ter alergia a alimentos encontrados no dia a dia, pois o organismo aprende a tolerar e essa tolerância é mantida pelo contato contínuo. No entanto, a médica alergista explica que isso está mudando.

O risco de perpetuar a alergia a alimentos como leite, trigo e ovos para a vida toda foi o que motivou Ariana Yang a criar o programa de dessensibilização alimentar no Hospital das Clínicas em 2003.

O tratamento aplicado principalmente em crianças a partir dos 5 anos – idade em que se dá o amadurecimento do sistema imunológico sendo possível o desenvolvimento de tolerância espontânea – consiste em induzir a imunidade por meio do contato controlado e supervisionado com o alérgeno para que o organismo forneça uma resposta de tolerância. Cerca de 90% dos pacientes alcançam a cura.

“A maioria dos casos que falham no tratamento está relacionada à presença de uma doença chamada esofagite eosinofilica, que antes era sub-diagnosticada”, explica. Para fazer o tratamento, é necessário um encaminhamento de uma unidade básica de saúde.

Alergia x intolerância

A alergia é uma reação do sistema imune a uma proteína, já a intolerância é uma deficiência enzimática. Enquanto a alergia pode desencadear reações em todos os órgãos do corpo, sendo mais comumente na pele e no trato gastrointestinal, a intolerância atinge apenas o trato gastrointestinal.

Na alergia, os sintomas independem da quantidade ingerida, basta o contato — mesmo pelo ar ; na intolerância, os sintomas variam de acordo com a quantidade ingerida.

O diagnóstico para alergia alimentar é concluído a partir de um conjunto de avaliações: história do paciente, Prick Test (teste cutâneo) e teste de provocação oral, quando necessário. “O Prick Test é apenas uma etapa, identifica a sensibilização alimentar. Cerca de 10% da população pode ter positivo pra este teste sem nenhum significado clínico”, afirma Yang.

A médica explica que a presença do anticorpo sozinho não basta para desencadear alergia, é preciso que haja mau funcionamento do sistema imune. “Por exemplo, se eu tenho positivo para peixe, mas estou comendo peixe e não tenho nada, devo continuar comendo para manter essa regulação trabalhando. Se restrinjo o peixe da minha dieta, quando voltar a comer, existe o risco de uma reação anafilática”.

A alergia é causada por predisposição genética. Fatores ambientais potencializam o risco. Estudos mostram que parto cesárea, fórmula infantil nos primeiros meses de vida e antibiótico nos primeiros anos de vida aumentam o risco de alergia alimentar.

O que as cesáreas têm a ver com alergias?

“Há mais adolescentes entrando na fase adulta alérgicos ao leite, por exemplo, o que era raríssimo 20 ano atrás”, afirma.

Uma hipótese para a maior incidência do problema em crianças é o aumento do número de cesáreas — dados da OMS de 2011 mostram que 53,7% dos partos no Brasil eram cesáreas, a maior taxa do mundo. Yang explica que a cesárea muda o conjunto de micro-organismos que habitam o corpo, que determina os estímulos iniciais do sistema imunológico da criança.

“Quando o bebê nasce por via vaginal ele é colonizado por um bichinho que chama lactobacilo, que é uma bactéria do bem e sinaliza a paz do sistema imune. Se ele nasce pela barriga, ele é colonizado por uma bactéria que não sinaliza essa paz”, explica.

A orientação de Yang para prevenir alergias alimentares é estímulo ao parto normal, aleitamento materno exclusivo e introdução alimentar variada equilibrada a partir dos seis meses de vida.

Denise Carmona, consultora da Sociedade Brasileira de Imunologia, ressalta que a alergia ao leite se inicia quando crianças predispostas geneticamente têm contato com o leite de vaca antes do amadurecimento digestivo e imunológico.

“[A criança] se torna sensibilizada à proteína do leite de vaca, fazendo a imunoglobulina IgE contra essa proteína”, explica.

Fonte: jornalfloripa.com.br