Meu filho tem alergia ao leite de vaca e isso não é o fim do mundo – Parte 2

Meu filho tem alergia ao leite de vaca e isso não é o fim do mundo – Parte 2

Com o diagnóstico feito, mergulhei nesse universo. Muita leitura, muita pesquisa, entrei em todos os grupos possíveis do Facebook e até do WhatsApp. Devagar fui aprendendo o que poderia ou não comer, já que quem fazia a dieta era eu, pois amamentava, e a proteína do leite de vaca passa pelo leite materno. A entrega foi tão grande que me tornei administradora de um grupo no Facebook (Meu filho (a) tem (APLV) – Alergia a proteína do leite!), hoje com mais de 11 mil pessoas de todo o país e até de fora.

Na sequência criei uma Fan Page (Vida com alergia) para divulgar a causa, que passou a ser minha também. Dei entrevistas sobre o assunto e passei a ajudar muita gente, mesmo que fosse só com uma palavra de carinho, pois muitas vezes é só o que precisamos.

Com o tempo descobri que não podia mais comer fora de casa, pois não sabia a composição e como o alimento tinha sido preparado, pois pasmem, o leite está presente em muita coisa que nem fazemos ideia, como na linguiça, no salame, em temperos prontos etc. E ainda, aquela inocente colher de pau ou plástico que mexeu um delicioso estrogonofe não poderia ser usada para preparar minha comida, pois os traços da proteína não saem de alguns materiais, mesmo lavando e higienizando.

E ao longo desse caminho, cheio de altos e baixos, consigo listar mais alguns momentos difíceis e importantes que passamos. Teve a introdução alimentar que não foi fácil, no alérgico é diferente e a gastro da época não me orientou corretamente. Sofremos com a prisão de ventre e a reação ao betacaroteno (alimentos de cor laranja).

Tiveram os testes com alguns leites iniciados aos seis meses, sem sucesso inicialmente. Foram três meses pra ele aceitar a primeira mamadeira, já com 9 meses. Acostumado com o leitinho docinho da mamãe, beber aquelas fórmulas não foi fácil.

Em seguida entrou na creche e mesmo com todas as explicações teve um contato com algo já na primeira semana e a reação veio tão forte que ficou mais de um mês para se recuperar, impossibilitando seu retorno. Achei melhor esperar o outro ano começar e também conseguir a vaga no local que eu queria.

Foi após esse período que enfim encontrei a gastro e a alergista que mudaram definitivamente a vida do Henrique. Acertamos a dieta dele e depois trocamos o leite artificial que ele tomava. Ele largou o peito com 10 meses, logo após o episódio da creche, e mesmo sofrendo demais sei que nada é por acaso. Dois meses depois eu faria uma cirurgia de urgência e agradeci por meu filho já tomar a mamadeira com outro leite, pois não poderia amamentá-lo. Enfim, com 1 ano de idade, ele dormiu a primeira noite inteira. Acredito que tem total relação com a troca da fórmula, ele saiu de um leite extensamente hidrolisado (quebrado) de soja para um composto de aminoácidos livres.

Um momento muito emocionante e especial para nós foi a festa de aniversário de 1 ano dele. Foi feita toda livre de leite, para todos os convidados. Queria mostrar pra todo mundo que era possível, que podemos viver sem o leite ou qualquer outro alimento, caso seja uma necessidade. Não foi fácil, mas a festa saiu e curtimos com tranquilidade, sem medo de deixar Henrique solto e alguém sem querer dar um pedacinho de alguma coisa pra ele. Na alergia tem isso, um pouquinho, causa um grande estrago. E tenho muita gratidão pelas pessoas que toparam o desafio de testar receitas para mim e fazer a festa acontecer. Naquela época não encontrei ninguém especializado no assunto que pudesse preparar o que seria servido, pelo menos aqui. Hoje já conheço vários locais e pessoas, graças a Deus!

Após quase seis meses de uso da fórmula de aminoácidos, a gastro entendeu que era hora de testar outro leite, já que o que ele tomava era pra casos mais graves, que não era o dele, ou para crianças mais sensíveis. O leite testado, um extensamente hidrolisado do leite de vaca, dá certo pra cerca de 90% das crianças, principalmente para não mediados por ige com reações apenas gastrointestinais como ele, mas infelizmente não deu certo. Nosso pequeno caiu na parcela dos muito sensíveis e em dois dias de testes, as reações vieram severas. Fiquei triste, claro, mas bola pra frente.

Um mês depois, posso dizer que passei pelo pior momento da minha vida. Vi meu filho internado por quatro dias com diagnóstico de gastroenterite e somente um mês depois da alta eu descobri que ele estava tendo uma reação alérgica a um alimento que eu não sabia que tinha leite e ele havia consumido. Quem tem filho com alergia alimentar e já precisou interna-lo, pode imaginar o que eu passei. E mesmo explicando toda a situação e pedindo exames específicos para saber se era uma reação (lá no fundo eu sentia), fui ignorada. Não desejo isso pra ninguém, mas na vida passamos por provações que muitas vezes não entendemos, mas precisamos aceitar.

E o tempo foi passando e apesar das dificuldades, teve muita coisa boa também. Além de descobrir uma alimentação mais saudável ainda da que eu já praticava, fiz amizades que sei que carregarei pra vida, já estou carregando. E ainda me tornei uma ativista da causa, ajudando sempre que posso a todos que me procuraram. Nesse caminho, encontrei uma escola pública maravilhosa ao lado de casa e profissionais que nos abraçaram em todos os sentidos da palavra. E devagar percebi que apesar das restrições, poderíamos ter uma vida feliz, não era o fim do mundo ser alérgico. Meu filho era lindo, saudável e perfeito, o que mais eu poderia querer?

Agradeço a Deus a oportunidade de conviver com o diferente e assim me tornar uma pessoa mais humana, solidária e que luta pela inclusão. Alérgicos alimentares não são coitadinhos e se você tiver um pouquinho de sensibilidade pode também tornar a vida deles igual a de todas as crianças. Por que não incluir ao invés de excluir?

Aos dois anos de idade refiz todos os iges do Henrique (exame de sangue para verificar alergias) e seguiam negativos. Era chegada a hora de começar os testes. A maioria das crianças que faz a dieta certinha, pois esse é o melhor tratamento, o padrão ouro como os médicos dizem, até 3 ou 4 anos já consegue reintroduzir o alimento normalmente. E como meu filho não era mediado por ige (a alergia dele não aparecia no exame de sangue, o diagnóstico era clínico), já fazia a dieta há muito tempo e estava estabilizado há meses, começamos os testes. É importante ressaltar que como a alergia é única em cada um indivíduo, o médico que acompanha o paciente saberá o melhor momento de iniciar os testes, assim como a melhor maneira.

Por aqui fui bem devagar, sem pressa, no nosso ritmo (mais de seis meses) e graças a Deus deu tudo certo. Nenhuma reação. Hoje ele tem 3 anos e 8 meses e pode comer tudo. Sigo com uma alimentação saudável, com comida de verdade, mas permito as estripulias sem neura. Então quero dizer pra você, que tem um filho nessa condição também, que lute por ele, não meça esforços, não desanime e tente levar uma vida mais normal possível. Faça as receitas e adaptações e tente não privá-lo de uma vida social, claro, que com os cuidados necessários e tentando sempre conscientizar as pessoas sobre o assunto. É cansativo, mas a gente consegue. O dia que parei de esperar a “cura” do Henrique pra me permitir ser feliz, foi libertador. Sei que não é fácil, há casos e casos. Mas quero dizer que existe vida feliz com alergia sim, só depende de nós. Foco, força e fé e até a próxima!

Fonte: http://eshoje.com.br – por Grazieli Esposti